Athena Psicologia

Banir, cancelar, bloquear, punir…

A partir de demandas clínicas das novas formas de se relacionar venho pensando muito sobre as atualizações de manutenção dos elos, que com a mesma fugacidade que são estabelecidos há a possibilidade se livrar deles.
Frequentemente escuto relatos de bloqueios e desbloqueios de whatsapp, Instagram, entre outros canais digitais. 

Em um primeiro olhar poderíamos simplificar e achar que não há nada de extraordinário ou de novo aí, que somente foi acrescida uma nova ferramenta na troca de comunicação. Por qual motivo então os sujeitos encontram-se sem lugar nas relações? 

Tenho profunda inquietação para debater sobre o tema das novas configurações de relacionamento ATRAVÉS das ferramentas, não com elas, simplesmente.
Antes de seguir com o texto já alerto que não tenho uma visão nostálgica e avessa às tecnologias, o contrário disso. Afinal, cá estou eu também! 


O que pretendo sublinhar é a importância de pensarmos sobre como as relações se modificam entre os sujeitos, com o intermédio de símbolos, que por ocasião também dizem sobre o advento tecnológico. Vamos lá!?

O que percebo é marcadamente uma tentativa e fantasia de aniquilação do outro através de um simples gesto. Com um passo e três cliques é possível  “bloquear” um outro, mesmo que ele não se faça presente em tal evento de bloqueio. É completamente diferente de enunciar “eu não quero mais/assim não está bom pra mim/não gostei do que você fez…” não me restrinjo apenas às relações amorosas.
Além do bloqueio por autopreservação, há outros tantos que visam banir, cancelar e punir.
Será que este alguém quem se pretende cancelar é realmente tóxico ou perdeu-se a capacidade de falar sobre limites?

Podemos pensar como sendo este um dos efeitos da cultura marcada pelo consumismo, onde nos é dito que tudo podemos, tudo merecemos e quase tudo é substituível. Você supostamente pode tocar, se trocar com outre(s) e se não parecer valioso o bastante, trocá-lo por um modelo sem avarias. Andando assim na contramão do que fundamentalmente nos pede o amor: a necessidade de reciclá-lo, colocar em “”usufruto”” aquilo que provavelmente nunca servirá como uma luva, não alcançará todos objetivos fantasiosos. Relação é justamente sobre aquilo que não se cabe, não encaixa e não se esgota em si as possibilidades de troca, mesmo que tenha fim. 

Bauman quem desenvolveu um rico trabalho sobre essa efemeridade das relações, diz ele que “deseja-se o amor como objeto de consumo e busca-se desenvolver uma prática indolor no ato de amar, imune à angústia e ao sofrimento.” Quem faz análise já está alertado que isso é impossível! Quais são então os caminhos possíveis?
As perguntas são inúmeras…
“-Por qual motivo mesmo querendo, não consigo fazer possível?”

“-Por que só sou usado?” “-Por que só sei usar?” “-Por que quero isso e não aquilo?”

São perguntas que não se calarão, que cabe a cada Um responder por si. 

A questão é que impregnar as relações humanas com a lógica de consumo, coloca também o consumidor no lugar de consumido. Sente que perdeu seu tempo para produzir algo que não poderá gozar, o tempo expirou, a obsolescência programada tomou conta. A conta quem paga é o sintoma.

O tragicômico é que nas relações de bolso (onde se guarda o celular), é aonde se esconde as mãos cheias de dedos que querem tudo e não seguram mais nada!

Parece um looping do filme Click, no qual quem deseja abrir mão do controle depois de possuí-lo é impedido de descartar, passou a funcionar na lógica do controle e este é quem agora o possui. 

Há muitos desdobramentos possíveis a partir daí, mas por hoje sigamos na incompletude e com um verso de Caetano Veloso que já disse que desde que o samba é samba, é assim…”a tristeza é senhora… e a solidão apavora!!”


Se todos estamos inseridos em algum grau nas formas líquidas de se estar nas relações, o que pode ser feito individualmente e coletivamente para repensar estes elos?
E você? Como vivenciou seus eventos de bloqueio? Como se sentiu ao ser silenciado pelo “botão mute” do ser amado?

*Este texto contém ambiguidades propositais*

Hannah Rocha
CRP – 01/20382