Athena Psicologia

Como lidar com as diferenças provenientes das diversas formas de deficiência, se não conseguimos fazer com que estas pessoas tenham seus direitos garantidos (inclusão) em um momento tão delicado como este da pandemia do Coronavírus sem necessariamente acessar o Judiciário?

De acordo com o texto de Engelmann e Filho (2012) sobre a judicialização da saúde no Brasil, existem diversos argumentos contrários à prática da judicialização, sendo esta um fenômeno jurídico entendido como o aumento do impacto de decisões judiciais em causas políticas e sociais; Desta forma, pessoas têm que mobilizar o judiciário para terem acesso á saúde. Este fato descumpre frontalmente o previsto na Constituição Federal sobre os princípios da isonomia e da equidade, compreendendo-se que todos os cidadãos devem ser tratados igualitariamente, respeitando-se e considerando-se a todos com suas diferenças.

Assim, para o início da discussão pretendida aqui, será imprescindível uma breve introdução sobre o que vem a ser deficiência e as limitações sociais, dentre muitas outras, encontrando ainda muitos obstáculos, e tendo, obrigatoriamente que acessar o seletivo sistema Judiciário para obter suas conquistas.

No ano de 2015, ou seja, muito recentemente, foi promulgada a Lei n° 13.146/2015, que dispõe sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), fortalecendo que esta lei tem como principal diretriz o não retrocesso em relação às conquistas da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, Decreto 6.929/2009 (CDPD).

Entre as principais evoluções da LBI está à determinação que o conceito de pessoa com deficiência não está mais atrelado a um modelo médico, a um diagnóstico objetivo e massificador. Dessa mesma forma, trás como inovação a ideia de acessibilidade, fortalecendo a garantia de que a pessoa com deficiência viva de forma independente e exerça seus direitos de cidadania e participação social, reforçando a luta pela inclusão.

A LBI segue um sentido pessoal, sendo claramente defensora da dignidade da pessoa humana. No artigo 2º, conceitua a pessoa com deficiência de acordo com o tempo em que está acometida da deficiência, bem como a qualidade desta, podendo ser uma limitação de média ou longa duração nas áreas: intelectual, física, sensorial ou mental. O art. 84 diz que: “a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Consequentemente, a partir das prerrogativas da referida lei, a deficiência não pode se justificar apenas pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia, devendo também ser redirecionada para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina. Neste sentido, faz-se necessária a adoção de estratégias sociais que promovam o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência, incluindo-se aqui o acesso à rede de saúde, em igualdade de condições.

Existem no Brasil alguns projetos pioneiros relacionados ao acesso digno á rede de saúde, no entanto, esta pandemia tem deixado cada vez mais claro que pessoas com deficiência continuam sendo excluídas por simplesmente não serem consideradas parte da sociedade. Há inclusive uma lei no Brasil, a 10.216/2001, que trata da Luta Antimanicomial, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

  O respeito à diversidade não está relacionado à individualização de nenhuma atividade, em nenhuma área, e, quando ocorre na saúde, que é base para todas as outras atividades dá a entender segregação, ou seja, não há a possibilidade de integração com as demais pessoas.

A inclusão de um tratamento de saúde digno para pessoas com deficiência é fundamental para que a sociedade seja forçada a desempenhar novas conjunturas de forma a preparar diferentes gerações de acordo com as necessidades destas, promovendo formas para que as pessoas tenham plenitude e liberdade, excluindo-se de prejulgamentos. Milagres não têm espaço nesta situação, ainda que seja difícil conquistar esta inclusão, nada poderá ser pior do que manter esta situação marcada pela exclusão, a segregação indiscriminada de pessoas de todas as idades, pesando sobre elas o estigma da deficiência.  

Por outro lado, esta reabertura também pode ter um efeito diverso, uma vez que mudanças sempre trazem dificuldades e a enorme necessidade de trabalho multidisciplinar, com as tarefas de cada área específica do sistema hospitalar muito bem definidas, perpassando por: reinventar o paradigma hospitalar; remodelar a gestão abrindo possibilidades para maior diálogo, espírito cooperativo, criativo e crítico, entre todos os atores envolvidos, fortalecendo a cidadania; assegurar que as pessoas sejam tratadas de acordo com seu tempo, com liberdade, contrário à segregação.

Consequência imprescindível para que a luta por uma rede de saúde mais inclusiva seja posta em prática, é fazer com que esta pauta seja incluída na agenda de discussões políticas e, posteriormente, sejam definidas políticas púbicas em prol desta causa tão fundamental. Assim, faz-se necessário o acesso ao conceito de políticas públicas e, de acordo com a professora Maria Paula Dallari Bucci (2006):

“Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são metas coletivas conscientes e como tais, um problema de direito público, em sentido lato” (BUCCI, 2006, p. 241).

Assim, como forma de exemplificar e comprovar as afirmativas feitas neste breve texto há uma reportagem na TV Globo, do dia 01o de junho de 2020, no link https://globoplay.globo.com/v/8595156/ que demonstra o total descaso das autoridades do Distrito Federal com os pacientes portadores de deficiência mental quanto à disseminação da COVID-19 entre eles, o que deixa o questionamento – Quem se importa? – já que a maioria destas pessoas está interna por muitos anos e sem nenhum contato com familiares.

QUÉLVIA AZEVEDO DIAS
CRP: 01/7980

 Psicóloga e Bacharel em Direito

REFERÊNCIAS

PAULA, Ana Rita. Convenção sobre o direito das pessoas com deficiência. Princípios Gerais. São Paulo: Artmed, 2010. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia>. Acesso em: 29 jun. 2020.

Pinheiro, Carla; MACIEL, José Fábio Rodrigues (Coord.). Psicologia Jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,  2016.