“A história não é o passado. A história é o
passado na medida em que é historiado no
presente.”
J. Lacan, Seminário 1, p. 22
Desde sua criação, a psicanálise enfrenta resistências e, talvez poderia dizer que ela, a psicanálise, seja resistência. Ao retornar a obra freudiana, Lacan nos convida dentre muitas coisas, a um sentido revolucionário quanto a resistência. Onde muitos atribuíam um valor impeditivo à condução do tratamento ao se depararem com as resistências dos seus pacientes, Lacan toma a resistência, como motor do trabalho de análise haja visto que em seu seminário sobre os quatro conceitos fundamentais é posto que a transferência é essencialmente resistente (Lacan, 1964). Tal afirmação aparece em um capítulo intitulado “Presença do analista”, e isso nos antecipa um dos seus conhecidos axiomas em que a resistência é sempre do analista. Assim, desde a época de sua criação, para se pensar o retorno a Freud, se levanta a questão de como os analistas se posicionavam em meio à psicanálise.
Destinado a um futuro brilhante, o Sigi de Ouro, trouxe à tona a terceira ferida narcísica que deslocaria o Eu do centro do universo psíquico. Situado à margem, esse Eu não demostrara qualquer simpatia com a psicanálise e se recusara a dar crédito a ela (Freud, 1917). E como os analistas se posicionaram ao longo do tempo com o “Eu não é senhor na sua própria casa”? Será que foi com uma certa resistência do Eu? Pois no texto “As resistências à psicanálise” (Freud, 1925), Freud comenta o quanto o circulo científico, assim como áreas que talvez fossem simpatizar com suas descobertas, se mostraram desfavoráveis às suas ideias e relaciona tais resistências como um derivado da ferida pela “peste” da sua teoria. Acredito que também podemos incluir os próprios psicanalistas, que de discípulos passaram a dissidentes levando o nome da psicanálise consigo. E o que estes fizeram com ela? Tentaram fazer com que o Eu voltasse para casa, e se fizesse senhor dela. Passaram a psicologizar a psicanálise, em uma tentativa de adaptar o Eu ao centro de seu psiquismo. Dessa maneira, a condução de um tratamento por esse caminho poderia nos dizer acerca da singularidade do analisante? A questão central está justamente em pensar o que fazemos quando fazemos análise – colocada por Lacan logo no início do seu ensino. Talvez esse devesse ser o ponto de partida para se pensar no preciosismo em retornar a obra freudiana, fazendo valer o vigor daquilo que Freud não cessou de sustentar para que a psicanálise resistisse aos seus opositores.
Em tempos em que a psicanálise, para alguns, vai deixando de ser uma experiência de reintegração do sujeito com a sua história no que lhe é de mais singular (Lacan, 1954) e passa a ser um meio adaptativo para o Eu se assenhorar de sua casa passamos a fazer outra coisa, distante da causa freudiana e, para isso, a importância de se retornar ao sentido de Freud, para não só refundar a prática mas também assegurar o que a psicanálise não é (Lacan, 1955)
Referências:
Freud, S. (1917). Uma dificuldade da psicanálise. In: História de uma neurose infantil (“O Homem dos Lobos”), Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920). – Obras completas, vol.14. Tradução Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.
Freud, S. (1925). As resistências à psicanálise. In: O Eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). – Obras completas, vol. 16. Tradução Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.
Lacan, J. (1954). Introdução aos comentários sobre os escritos técnicos de Freud. In: O Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Lacan, J. (1955). A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Lacan, J. (1964). A presença do analista. In: O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
arte do destaque via Casa do Saber
Paulo Costa
CRP 01/20383
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Psicólogo, especialista em Teorias Psicanalíticas e praticante da clínica psicanalítica.