Athena Psicologia

Em que esse ódio nos afeta?


O Brasil perdeu! Perdeu em empatia, em respeito ao próximo. As mortes de LGBTQIA+ aumentam geometricamente, as subnotificações destas mortes foram institucionalizadas e vivemos num Estado de Perseguição.

Mas por quê perseguir afetos?

Nos últimos anos experimentamos alguns avanços no que tange ao reconhecimento dos nossos afetos, da violência a que estamos expostos e das vulnerabilidades peculiares à nossa comunidade. Por outro lado, vimos as mortes aumentarem e o discurso de perseguição às minorias eleger um presidente da república.

O diferente amedronta. Mas amedronta a quem?

Antes de responder, e por ser o primeiro texto desta coluna, há que se lembrar que a psicanálise/Freud, embora tratasse a homossexualidade como inversão de desejo, entendia a sexualidade como sendo algo influenciado pela identificação àquele ou àquela que se quer ser e pelo objeto do desejo. Ora, isso nos dá uma visão plástica e construída acerca das orientações sexuais. A inclinação sexual se dá, portanto, por experiência de leitura do mundo, por como acabamos significando nossos afetos primordiais. E isto só é capaz quando interpretamos, pessoal e subjetivamente, essa equação entre identidade e objeto de desejo. Ocorre que essa visão da sexualidade e de afetos conflita bastante com a visão de mundo vigente. Emancipar afetos vai de encontro ao controle orquestrado por anos e à fusão desta visão ao nosso inconsciente. Passamos a aprender desde muito cedo que o branco, cis, homem, hétero é o correto e que tudo que diverge deste modelo deve ser combatido, perseguido e aniquilado. O cerne deste ódio é machista, racista e misógino, logicamente. Permitir-se viver os afetos de maneira heterodiscordante é, para eles, abdicar de um direito sagrado masculino – o homem fálico poderoso, é equiparar-se às mulheres, que nesta lógica vigente servem para oferecer prazer ao homem, mas, sobretudo, é vivenciar e se permitir vivenciar algo que os homens de nossa sociedade não estão acostumados: os seus afetos objetais, sejam quais forem. Ao homem é ensinado que não se permitam provar o que não for mulheres, que não provem o que não tenha como fonte basilar o empostamento fálico. Ao homem é ensinado que se castre e não exerça seus afetos. Mas ora, se somos bissexuais por natureza, porque temos tão poucos aderentes às práticas sexuais heterodiscordantes?

São duas respostas possíveis: como o mundo que percebemos desde criança é indutivo à heterossexualidade, não espanta que a grande maioria interprete, e logo se direcione, para este caminho.
A segunda resposta é a que eu mais percebo: há muito mais LGBTQIA+ dentro dos armários, mas a pressão social e a LGBTQIAfobia internalizada não os permite vivenciar seus afetos. E como tudo o que é recalcado volta de alguma forma, percebemos e vivenciamos tanto ódio direcionados a nós. Ódio direcionado, por vezes, por outros LGBTQIA+ que, invejosos da liberdade sexual do outro, ataca como quem está atacando a si próprio.
Ocorre que esse binarismo sexual, que hoje não tem mais muito espaço nas nossas vivências, haja vista a pluralidade de afetos e o direcionamento destes, nunca desaparece. Uma parte destes nossos desejos é recalcada e a outra assume o controle do direcionamento dos nossos afetos. Um homem gay apenas recalcou o desejo por mulheres, mas este ainda existe. O contrário também é verdadeiro. O que diferencia um do outro é a autorização consciente de vivência dos afetos.
Diante de tudo isto, nos restam alguns questionamentos: é coincidência que no país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, tenhamos na presidência da república a figura de um homem grotesco, visivelmente castrado nos seus afetos, castrador de seus filhos? É coincidência que neste país uma vereadora lésbica tenha sido brutalmente assassinada e que ao ser homenageada com uma rua em seu nome, teve a placa quebrada em ato político conservadorista? É coincidência que neste país, foi o discurso LGBTQIAfóbico ganhou força nos últimos anos? É coincidência que o único deputado assumidamente gay foi covardemente atacado com mentiras de toda sorte e precisou sair do país para poupar a sua vida?
A verdade é que, a despeito da imagem acolhedora e alegre que nosso país passa ao resto do mundo, o Brasil odeia LGBTQIA+ porque o brasileiro odeia não ser pleno de seus prazeres, porque o brasileiro não aceita que há quem o seja e porque ele odeia o fato de que, se ele não pode exercer livremente os seus afetos, então ninguém poderá.

Rafael Berrêdo é psicólogo, psicanalista, militante de Direitos Humanos, ativista de direitos LGBTQIA+, Coordenador do Núcleo de Acolhimento Psicológico da Casa Rosa e Servidor Público.
CRP 01 – 20793

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@rafaelberredo